Por Guilherme Coelho 

Publicado em 13 de julho de 2021 no jornal O Globo 

A reforma administrativa está na Comissão Especial na Câmara dos Deputados e recebeu propostas de emendas recentemente. A origem do projeto, um governo que não trabalha para o diálogo nacional, em princípio não nos deixa dúvidas: não à PEC 32! No entanto, se entendermos que esta é a primeira oportunidade em três décadas para uma verdadeira transformação do Estado brasileiro, contribuindo para um serviço público mais atraente e eficaz, então não resta dúvida: devemos dizer “viva a PEC 32!”.

O Brasil convive com arcaísmos e, entre eles, um Estado pouco eficiente, injusto e ilusionista. Pouco eficiente, pois não entrega a qualidade de vida que a população espera e pela qual paga. Injusto, ao ampliar as desigualdades sociais, entre outras coisas porque cria e mantém privilégios em sua própria estrutura funcional, enquanto trata uma massa de servidores sem o devido respeito e reconhecimento. Ilusionista, pois convence até quem quer modernizá-lo de que o melhor é não fazer nada sobre tudo isso.

Entre esses iludidos estão os que, ao lutar pela manutenção de direitos, acabam preservando os arcaísmos da estrutura da administração pública brasileira. O grande trunfo do Estado arcaico e ilusionista é o medo da mudança. Para vencê-lo, é preciso desvendar seus truques e enfrentar fantasmas.

Nada melhor para isso do que iluminar a cena com a discussão pública, a exposição de ideias e propostas. E o Congresso é o ambiente democraticamente eleito para isso. A reforma administrativa não será feita pelo governo federal, mas, sim, pelos parlamentares. É com eles que temos a missão de reorganizar o Estado brasileiro em meio ao caos.

Devemos começar pelo reconhecimento da importância do Estado e de seu serviço público. Neste ano e meio de pandemia, em meio ao desserviço negacionista, foram as instituições públicas e os servidores que mantiveram a esperança de dias melhores, com destaque para os que estão na linha de frente do combate ao vírus, passando pelos profissionais públicos que nos vacinam, até os que possibilitam os desembolsos do auxílio emergencial.

Em episódio recente, na CPI da Covid, um servidor concursado do Ministério da Saúde, ao denunciar a possível prevaricação do presidente da República, expôs a discussão sobre a importância da estabilidade como fator de garantia da fiscalização da administração pública sobre os governantes. A estabilidade funcional é um ponto a discutir e desenvolver numa reforma administrativa. O exemplo de Luis Ricardo Miranda nos mostra que governos importam e que devem ser continuamente aperfeiçoados.

Para termos uma dimensão da importância desse debate, no Brasil, 83% da educação fundamental é pública, assim como 79% do atendimento em saúde. Quase 90% dos profissionais empregados pelo setor público brasileiro estão lotados em estados e municípios, encarregados do atendimento que mais impacta o dia a dia do brasileiro. A maior parte trabalha nas prefeituras e, na média, recebe salários 2% menores que a média do setor privado.

A Proposta de Emenda Constitucional é uma oportunidade para discutir todas as etapas da vida pública. Os concursos de entrada, as formas de progressão na carreira, o reconhecimento e até o possível desligamento. É hora de atualizar o processo de avaliação de desempenho dos servidores, para que se torne possível progredir na carreira sem ser necessário ter ligações políticas, de modo a incentivar a todos.

Por que não discutir privilégios de setores que se descolam da realidade da imensa maioria dos servidores? Um exemplo é o direito a férias de 60 dias. Se o argumento para as férias estendidas são as horas extras, por que não adotar o banco de horas, tão comum quanto prático?

Um bom cartão de visitas, e teste para o Congresso, será a votação dos supersalários, na pauta da Câmara. Isso tem de passar. É o óbvio ululante. Em seguida, teremos a oportunidade de transformar a PEC 32 e fazer da reforma administrativa um elemento modernizador do país. Este é um momento em que, juntos, podemos avançar, conquistando uma vida melhor para todos nós.

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