Por Guilherme Coelho 

Publicado em 02 de dezembro de 2022 no jornal O Globo

Aproveitando (ou não) o “Pacote da Democracia”, precisamos urgentemente repensar o desenho institucional das forças de segurança no Brasil. Não é apenas a criação de uma Guarda Nacional que vai nos tirar dessa. 

Nos ataques de 8 de janeiro, a insuficiência da Polícia Militar do Distrito Federal, a insubordinação do Batalhão da Guarda Presidencial e a provável conivência do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) mostraram ser inadiável uma ampla reforma da segurança pública brasileira nos três níveis federativos e nos Três Poderes. A crise de segurança é uma crise nacional. 

Lembrando que o estado do Rio de Janeiro tem a menor taxa de elucidação de homicídios do país: 16%, o que é menos da metade da já inadmissível média nacional de 37%. Nada a ver – e tudo a ver – com a impunidade em zonas de garimpo ou pesca ilegal na Amazônia, ou com casos de corrupção.

A crise de segurança é uma crise de recursos humanos, já que o Estado é feito de profissionais que nele trabalham. O Estado não é “máquina”, e sim “relações humanas”, como dizia minha avó Adyr. Logo, o foco da transformação deve ser a gestão de pessoas. A começar pelo Executivo Federal – onde as Forças Armadas reúnem 59% dos 560 mil servidores. 

Filho de recruta do Forte Copacabana e neto de coronel da cavalaria do Exército — que se casou com a Adyr —, filmei na Vila Militar entre 2005 e 2007 o documentário “PQD”, disponível no Globoplay, sobre recrutas no 25º Batalhão Paraquedista. 

Entre os oficiais, encontrei apenas “bons” militares: gente digna, decente, infelizmente sem objetivos claros para seus trabalhos e sem o devido reconhecimento. À época não se falava em ditadura nem em comunismo. Nada de ideologia, só assistência social. Não imaginei que, dez anos depois, voltaríamos a falar em golpe militar.

“O Brasil vive uma crise militar. Há décadas.” É o que acredita Lucas Figueiredo, autor de “Ministério do Silêncio”, livro sobre o serviço secreto brasileiro. Para ele, é urgente uma atualização na formação e na governança das Forças Armadas e também em órgãos civis como a Agência Brasileira de Inteligência, a ABIN, hoje dentro de um órgão militar, o GSI. 

De fato, duas principais distorções devem ser definitivamente corrigidas. Primeiramente, a má fé de alguns militares que continuam a defender, para si, um inexistente “poder moderador”. A submissão dos militares ao poder civil é o que manda a Constituição. 

Em segundo lugar, a teoria do “inimigo interno”, a doutrina paranóica de que as Forças Armadas devem intervir contra cidadãos brasileiros considerados “ameaças”. Para Lucas Figueiredo, na tradição brasileira, estes “alvos” foram quase sempre membros dos movimentos sociais. Reconhecemos este padrão também nas polícias estaduais. 

No 8 de janeiro, o Brasil assistiu a Praça dos Três Poderes deixada à própria sorte – ou melhor, à covardia. A troca do comandante do Exército e os recentes acenos com investimentos vão na direção correta. No entanto, precisamos mais do que submarinos nucleares, caças suecos — ou Viagra. 

Governos passam, e o Estado fica. O Estado é feito por pessoas, e seu sucesso depende de como elas estão organizadas, reconhecidas e engajadas. É imprescindível formá-las continuamente, cada vez melhor. 

Além disso, é necessário rever todas as carreiras na segurança pública, nos Três Poderes e nos três níveis federativos. Há diversos desencontros e sobreposições entre as responsabilidades partilhadas. Por último, é preciso modernizar os concursos públicos em geral. Existem hoje um amadurecimento sobre o tema, e uma convergência entre dois projetos de lei já tramitados no Senado (PL 2258/2022) e na Câmara (PL 252/2003). 

O único caminho para a ordem e o progresso é o da profissionalização, com a responsabilização e a motivação dentro do serviço público. Este é o encontro marcado com um futuro melhor.

Ver publicação original

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/02/caminho-para-a-ordem-e-o-progresso-e-a-profissionalizacao.ghtml