Por Guilherme Coelho

Publicado em 19 de setembro de 2023 no jornal O Globo

Segundo estudo da Receita Federal, os gastos com isenções corresponderam a 4,25% do PIB, quando o ideal seria 2%

As pressões para que o governo federal faça uma reforma administrativa com o objetivo de reduzir as despesas são uma cortina de fumaça para adiar, mais uma vez, o debate sobre o imenso gasto público representado pelas isenções fiscais. Esses gastos, pagos pela sociedade brasileira, devem superar os R$ 486 bilhões no próximo ano, mais que o dobro do rombo do Orçamento federal.

Bela Megale: Favoritismo de Flávio Dino ao STF abre disputa pelo Ministério da Justiça É necessário que governo e Congresso façam um exame minucioso sobre cada item desse Titanic, que reduz nossa eficiência econômica e ameaça nos afundar numa crise fiscal. Isso tudo muito antes de cogitar qualquer mudança sobre serviços públicos. Importante lembrar que 77% dos brasileiros não têm nenhum plano de saúde e que 83% das crianças e adolescentes no ensino fundamental estão em escolas públicas.

Em estudo de 2019, a Receita Federal recomendou ao governo que a revisão e a redução de isenções deveriam ser feitas de maneira integrada à reforma tributária — com transições que garantissem segurança jurídica. Dá a dica de que ao menos R$ 50 bilhões poderiam ser reduzidos ano a ano, cumulativamente. Uma ótima notícia para o Brasil. Segundo esse estudo, os gastos com isenções corresponderam a 4,25% do PIB, quando o ideal seria 2%. Entre essas despesas, o maior gasto tributário em 2024 será com o Simples Nacional: R$ 119 bilhões, o que torna sua análise incontornável. Apesar do nome, o Simples complica muito o nosso cipoal tributário, contribuindo para a “desigualdade horizontal” na tributação. Para uma mesma renda, existe no país uma enorme variação entre as alíquotas aplicadas, dependendo de como se recebe o dinheiro. Carteira assinada, Simples, MEI, distribuições de lucro presumido ou de lucro real. Cada regime tem regras e custos diferentes. Nada menos isonômico.

O Simples está no centro disso, causando enorme distorção. Criado para estimular o empreendedorismo, acabou se transformando em incentivo à pejotização de profissionais qualificados, usado para manobras fiscais de empresas que se dividem em várias, de forma a continuar dentro do limite de faturamento anual de R$ 4,8 milhões. No lugar de discutir o problema, o Congresso tem uma proposta para ampliar esse limite, o que significa onerar ainda mais a sociedade.

O MEI (Microempreendedor Individual) — que reúne 14 milhões de contribuintes pelo Brasil afora faturando até R$ 6.750 por mês — é outro tema que merece reflexão e reforma. Na semana passada lemos que se pretende ampliar o limite de faturamento, passando de R$ 81 mil para R$ 144,9 mil por ano. Em parte atendendo à sempre necessária correção inflacionária quando se fala em tributos, essa mudança adia uma necessária revisão. O MEI, como o Simples, gera ineficiência alocativa ao incentivar empreendedores a não ultrapassar o teto de faturamento, mantendo-se “micro” e, assim, reduzindo seu acesso a escala e tecnologia, por consequência, limitando sua produtividade. O MEI ainda esconde uma bomba-relógio para a Previdência, um problema ainda sem discussão.

Um modo de enfrentar as distorções — e liberar empreendedores para crescer — é reduzir os custos com folha salarial e os impostos de renda, de cidadãos e empresas. Apenas depois disso, é preciso rever as isenções concedidas para lucros e dividendos, algo que existe em apenas mais duas ou três nações.

Ao realizar essas mudanças, aplicando isonomia e simplificação, o país permitirá que cada empresário escolha como empreender, sem ficar preso a regimes tão díspares que atrapalham sua mobilidade. Fiscalmente, o Estado economizaria nessas isenções e encontraria “o meio do caminho” ideal, reduzindo a tributação sobre folha e imposto de renda de empresas. E tentaria evitar uma crise na Previdência.

São iniciativas que podem tornar o Brasil mais competitivo e atraente para investimentos produtivos, induzindo o fortalecimento do mercado interno, condições que favorecem o crescimento sustentado, coisa boa para toda a população — e nosso maior desafio.

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https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/09/primeiro-e-preciso-cortar-os-gastos-tributarios.ghtml