Pela democracia, transformar o Estado

Por Guilherme Coelho e Francisco Gaetani

Publicado em 16 de setembro de 2020 no jornal O Globo

A democracia brasileira corre riscos. Recentemente, no STF, o ministro Edson Fachin foi preciso ao dizer que há “uma escalada do autoritarismo no Brasil após as eleições de 2018”. Ele identificou um “Cavalo de Troia” instalado dentro da legalidade constitucional brasileira. Um organismo invasor, que tem “laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas”.

Para sair dessa enrascada, é preciso transformar o Estado, com a autoridade legítima de excelentes profissionais públicos que servem ao país. Hoje vivemos uma anomia de alto a baixo nos escalões do serviço público, onde há medo de tomar atitudes, desincentivos a resolver problemas de maneira criativa, e uma cultura de envergonhar-se por trabalhar em governos.

Para fortalecer sua democracia, o Brasil precisa sair deste transe. Não somos um país ruim, pária global, orgulhoso dos próprios vexames, viciado na incompetência, insensível às tragédias, indiferente às desigualdades e entorpecido devido à dificuldade de se governar. Nós não somos isso. Sim, o país está sofrido, em boa parte por tratamentos autoinfligidos. Mas este não é nosso destino natural, salvo se optarmos pelos retrocessos civilizatórios com os quais temos flertado.

A pandemia veio nos mostrar que bons governos importam. No mundo todo, boa governança pública e capital social têm sido a melhor resposta à crise sanitária e econômica da Covid-19. Hoje, ao compararmos as letalidades da doença no Brasil e na Alemanha (ou na Argentina), concluímos que, das mais de 130 mil mortes ocorridas entre nós, pelo menos 80 mil poderiam ter sido evitadas por ações governamentais responsáveis. A pandemia ainda não terminou, o que certamente elevará esse número desnecessário.

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Capital social é, em si, uma construção de governos efetivos e democráticos. Esta confiança entre cidadãos, e entre sociedade e Estado, tem direta correlação com a satisfação individual. É o remédio mais efetivo contra a sedução autoritária, este pai severo que restaura uma fantasia de ordem, infantil e ilusória.

Estados eficazes e representativos são os legítimos intermediários dos nossos sonhos, dos nossos limites. São mitigadores de nossas iniquidades. A eles entregamos decisões do nosso dia a dia, e por isso temos a obrigação de zelar pelo seu melhor funcionamento.

Uma boa notícia é que o governo federal, entre tantos erros na saúde, política ambiental, segurança pública e educação, foi responsável ao enviar ao Congresso uma proposta de reforma administrativa. É um ótimo começo, cumprindo o rito jurídico necessário.

Enquanto isso, no Parlamento, quatro frentes parlamentares já trabalham sobre outras propostas para uma verdadeira transformação do Estado brasileiro. Os trabalhos que serão realizados por estes grupos são tão potentes que deveriam se fundir e se chamar Frente Ampla por um Estado Melhor, em defesa da democracia. As necessidades são evidentes e urgentes, e as partes interessadas somos todos nós. Há razão para otimismo.

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A discussão sobre governos, especialmente após a Covid-19, já não é mais sobre um Estado maior ou menor. A discussão é sobre um Estado melhor. Por isso, é fundamental ir além da questão fiscal. Devemos evoluir para uma debate expandido, inclusivo e construtivo a partir do Congresso Nacional, em uma ampla Frente para transformar o Estado, valorizar os profissionais públicos e fortalecer a democracia brasileira. Aí sim, Brasil acima de tudo.

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https://oglobo.globo.com/opiniao/pela-democracia-transformar-estado-24641577