Por Guilherme Coelho 

Publicado em 28 de julho de 2022 no jornal O Globo

O Estado importa. Segundo a mais recente pesquisa de opinião da Atlas Intel, “impostos altos e ineficiência do Estado” são o quarto maior problema do Brasil —  à frente de criminalidade, desemprego e crescimento econômico.

No Brasil, 79% da população não tem seguro de saúde, e dependem integralmente do SUS; aqui, 83% da educação fundamental é pública; e 100% do policiamento deveria ser do Estado. (A Cidade do Rio tem 55% de seu território dominado por milícias e traficantes.)

Pensar em políticas públicas é também pensar política fiscal. É daí que vêm as merendas, as vacinas e as câmeras de corpo dos policiais. Em termos fiscais, a grande questão brasileira é econômica: 28 anos depois da estabilização da moeda, o Brasil ainda não deslanchou. Não cresceu. A história brasileira dos últimos 40 anos é uma história de crescimento econômico pífio: 0,9% ao ano, per capita.

Mesmo o país crescendo, o bolo não é distribuído igualmente. Marcelo Medeiros calculou que, entre 2006 e 2012, 30% do crescimento econômico foi apropriado pelo 1% mais rico da sociedade brasileira. (Em tempo: “pobreza/desigualdade” é hoje o maior problema brasileiro, segunda a mesma pesquisa de opinião da Atlas Intel.)

O Brasil não é para principiantes — nem para as  95% das pessoas que não se beneficiam da regressividade do nosso sistema tributário, e precisam muito do Estado.

O novo governo precisará fazer o Brasil crescer; servir melhor à população; e redistribuir renda (e assim crescer mais). Estes são os maiores e melhores desafios que o Brasil tem pela frente; e vão juntos. E é o que fará nossa vida ser melhor — e afastará a delinquência da extrema direita do centro do poder.

Que instrumentos fiscais usaremos é a grande discussão em políticas públicas, a partir de já. Como arrecadar mais e como transferir renda, multiplicando e podendo sustentar o pé no acelerador?

Nos impostos, o óbvio ululante é acabar com a atual regressividade tributária. Hoje, no Brasil, os muito muito ricos pagam muito muito menos impostos, proporcionalmente, do que todo mundo. A arrecadação aqui é concentrada em tributos sobre o consumo e sobre trabalho — e isso impede o crescimento. É o contrário do que fazem os países ricos.

Aqui, 45% do que é arrecadado vem via consumo. Nos países membros da  OCDE, isso é, em média, 32%. Outros 33,7% vêm de impostos sobre renda, lucro e ganhos de capital — chegando a 37,5% na Alemanha. Enquanto isso, no Brasil: 23,6%. (Uma valiosa contribuição recente ao tema é o livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico”, organizado por Manoel Pires e editado pela FGV.)

O Brasil precisa racionalizar seus tributos. Um estudo recente coordenado por Marta Arretche, para o Centro de Estudo das Metrópoles, revela que 70% das propostas tributárias submetidas na Câmara dos Deputados solicitaram algum tipo de isenção. O sistema foi tão deturpado que advogados tributaristas especialistas em um setor não conseguem aconselhar um outro setor, tamanhas são as discrepâncias em isenções e regimes especiais. Nada tão pouco republicano. E ineficiente e custoso.

É urgente redesenhar o sistema tributário brasileiro. E fazê-lo com uma visão sistêmica, sem fatiar a discussão. Há hoje amadurecimento técnico e político em torno de propostas para um Imposto de Valor Agregado (IVA), o que será decisivo para maior crescimento e melhor ambiente de negócios. Além disso, retirando isenções indevidas, brechas imorais e aplicando tributação progressiva, será possível desonerar os custos previdenciários do primeiro salário mínimo. Isso seria um golaço para a formalização do emprego.

Sobre os serviços públicos, a maior alavanca é focar na gestão das pessoas. Definir melhor as funções; recrutar somente a partir disso; embarcar com toda a atenção e informação; alinhar com os objetivos da organização; pensar os times; e reconhecer sempre. Um Estado efetivo e competente é a chave para o nosso bem estar.

Toda mudança de governo é uma oportunidade. A nossa oportunidade histórica hoje é com melhores serviços, podendo pagá-los com melhores impostos. É o futuro para o Brasil.

Organizando, todo mundo transa. A frase do Catra, rapper do Borel, poderia ser um bom final para um artigo sobre o Estado brasileiro. Organizando, todo mundo vive melhor.

Quanto mais demorarmos, mais teremos do mesmo: pouco crescimento econômico; regressividade; pobreza; baixo capital humano; ressentimento; violência; populismo; vergonha.

Que venha 2023.

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https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/07/melhores-impostos-para-um-estado-melhor.ghtml