Por Guilherme Coelho 

Publicado em 06 de dezembro de 2022 no jornal O Globo

Tirando o primeiro tempo do jogo de ontem, a melhor surpresa deste final de ano é a Transição presidencial. Nunca antes se engajou tanta gente discutindo políticas públicas e futuro. Vai Brasil! Com conversa, e com estudo, a gente avança.

O primeiro tempo foi dominado pela discussão fiscal, já que o governo federal continua pagando alguns Supersalários (sem conversa), ultrapassou este ano R$ 450 bilhões em isenções fiscais (sem estudo), queimou R$ 200 bilhões em políticas eleitoreiras (sem pudor), e este ano disponibilizou R$ 16,5 bilhões para o Orçamento Secreto (sem vergonha). Resultado: furou o teto e não tem dinheiro para chegar ao final do mês.

Agora, no segundo tempo da Transição, é preciso focar no que mais importa quando se fala em serviços públicos: os profissionais públicos. O maior ativo do Estado são as pessoas que nele trabalham.

Das decisões mais consequentes a serem tomadas ainda este mês, algumas se darão em torno da Secretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoal (SGP). Órgão fundamental, a SGP é responsável pelas políticas de RH de toda administração pública direta federal — 568.000 pessoas hoje. A SGP é a melhor alavanca para uma reorganização do Governo Federal, para fazê-lo melhor — mais presente e competente.

Em recente visita ao Brasil para um encontro do CONSAD (Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração) o canadense Daniel Gerson, responsável na OCDE por serviço público e gestão pública, afirmou que não importa onde esteja um orgão central de gestão de pessoas, e sim que ele tenha incidência, e uma liderança capaz e visionária.

E a hora é agora. O assunto “pessoas em governos” está quente, quase sexy. Semana retrasada, a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), abriu-se a discussões sobre o Estado brasileiro.

Drummond e João Cabral, enquanto servidores públicos, foram temas de mesas na Casa República.org, dedicada ao serviço público e seus cruzamentos com o mundo das ideias. Lá, Itamar Vieira Jr. revelou ter se valido de sua vivência como funcionário público do Incra para o seu épico “Torto Arado”, livro brasileiro mais premiado dos últimos anos. (Annie Ernaux, prêmio Nobel de literatura deste ano, foi anos professora de escola pública na França, e também falou sobre isso em Paraty.)

Ao final da FLIP, ficou evidente que o Estado importa. E que pensar o Brasil, pensar brasilidade, é forçosamente também pensar sobre serviço público, e suas pessoas.

É pensar política salarial — paralela à ótima iniciativa de aumento real do salário mínimo — e vai muito além. É pensar relações humanas. É descrever muito bem as funções de cada um; é alocar os talentos apenas depois disso; é embarcar as pessoas com muita atenção, pois isso é determinante para o seu desempenho profissional futuro; é garantir segurança psicológica, que dá liberdade para se propor novas ideias, e também para discordar; é dar propósito pessoal por meio de objetivos e resultados-chave bem definidos.

E é acima de tudo, reconhecer quem faz a diferença. Pessoas excelentes que trabalham por todos nós merecem o nosso aplauso.

E foi isso que aconteceu no último dia 30, no Cinema Estação Botafogo lotado, com tapete vermelho e tudo. O Prêmio Espírito Público celebrou 27 pessoas que, de dentro do serviço público, transformam o Brasil. Foi super badalado, e emocionante.

E segue o jogo. Semana que vem acontecerá em Brasília o lançamento do livro “A Construção de um Estado para o Século XXI”, de Francisco Gaetani e Miguel Lago, que também o debateram na FLIP, neste momento crítico para o Estado brasileiro.

Pois a regra é clara: não há vida boa sem bons governos.

Para que esta Transição se transforme num governo bem sucedido, é preciso focar em Gestão de Pessoas. Em paralelo aos programas e políticas públicas sendo discutidas, é hora de colocarmos os profissionais públicos no centro do gramado, olhando para frente.

O golaço será um serviço público respeitado, responsivo e responsável — e assim, mais democrático. Vai Brasil!

Ver publicação original

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2022/12/transicao-tem-de-focar-em-gente.ghtml