Por Guilherme Coelho 

Publicado em 11 de abril de 2023 no jornal O Globo

Para que o arcabouço fiscal proposto pelo governo funcione, o Brasil precisa de uma Reforma Tributária ampla, geral e irrestrita – começando pelos 400 bilhões de reais em isenções fiscais concedidas anualmente. Desde já, impostos e isenções são a conversa mais consequente e estruturante de 2023

Impostos refletem os valores de uma sociedade, e indicam para onde estamos indo. É preciso manter o foco no que precisamos fazer: gerar crescimento econômico ao racionalizar e retirar a regressividade do sistema tributário.

Embora seja fundamental, a reforma dos impostos de consumo não pode consumir toda a  energia do debate, impedindo a discussão sobre os impostos sobre trabalho, renda, patrimônio e, especialmente, sobre as isenções. São nestas áreas que o bicho pega em termos de regressividade e desincentivos ao crescimento econômico.

Não é o caso de apontar o dedo pra ninguém. A realidade tributária é complexa – ou melhor, uma bagunça. Por exemplo, a discussão sobre tributar dividendos deve ser precedida por uma análise da taxa efetiva do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) no Brasil.

Originalmente, o sistema brasileiro não prevê tributação de dividendos desde 1996, ao estabelecer uma faixa máxima suficientemente alta do IRPJ e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL): 34%. (Nos países da OCDE, as empresas pagam em média 21% de Imposto de Renda.) Logo, é legítimo argumentar que não se deve tributar dividendos no Brasil – ou, melhor, que se deve reduzir o IRPJ e o CSLL ao fazê-lo.

No entanto, através de brechas e malabarismos jurídicos, que compõem o “custo Brasil”, a taxa efetiva de tributação de Pessoas Jurídicas no Brasil é de 22%. E é possível pagar ainda menos do que isso. A Petrobrás, por exemplo, maior empresa do país, pagou durante anos uma taxa efetiva de 17%. Estes estudos são de Rodrigo Orair, Sergio Gobetti e Braulio Borges.

A lição aqui é que é fundamental fazer uma reforma geral do sistema, como defende o economista Manoel Pires. Não podemos isolar as variáveis, sob o risco de continuarmos criando “puxadinhos” fiscais, atrapalhando o crescimento da economia e criando desigualdades tributárias – horizontais (entre quem tem o mesmo nível de renda) e verticais (quando quem recebe mais acaba pagando proporcionalmente menos.)

Segundo nota técnica do Centro de Estudos da Metrópole (USP), liderado por Marta Arretche, a maneira de aprovar uma reforma abrangente é explicitar quem pagará por ela. No nosso caso é fácil: dada a ineficiência do sistema tributário, quem pagará o pato serão as pessoas e empresas que são hoje indevidamente beneficiadas. Quem nada deve, não tem nada a temer. Vamos nessa.

Devemos discutir absolutamente tudo – e certamente o imposto sobre heranças. Convenhamos, só deve ser muito muito rico quem trabalhou muito muito por isso. Isso não é ser de esquerda; é querer gerer mais crescimento. Hoje no Brasil, no máximo paga-se 8%. Nos EUA, ou na Alemanha, este imposto excede 40%. Ser herdeiro não pode custar apenas 4%, como acontece em São Paulo. Ou, incrivelmente, nadica de nada no Rio – se os ativos estão sediados no exterior. (Nessa brecha eu estou de olho pra mim).

Precisamos estimular a economia, simplificando os tributos e criando incentivos corretos através dos impostos – e certamente com muito menos isenções fiscais. Isso tudo só será possível com uma Reforma Tributária integral, bem comunicada, e que – dado o custo e inequidade do nosso sistema – será boa para todos. Quem for contra esse debate estará sendo contra um país melhor.

Em recente evento da CNI, O GLOBO e VALOR, o ministro Fernando Haddad mencionou que a transição entre o atual regime tributário e o proposto pela Reforma será de até 40 anos. Este é então um projeto para o futuro do Brasil.

Dizem que o melhor momento para se plantar uma árvore é dez anos atrás. E que o segundo melhor momento é hoje.

Que venha uma floresta, rica e diversa.

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https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/04/reforma-tributaria-precisa-ser-integral.ghtml