Nova regra fiscal impõe revisão dos gastos tributários, inclusive o Simples

Por Guilherme Cezar Coelho
Fundador da Samambaia.org e membro do Conselho de Governança do Gife (Grupo de Institutos e Fundações Empresariais)

Publicado em 3 de maio de 2023 no jornal Folha de São Paulo

Como revelado por esta Folha, a Receita Federal recomendou, ainda em 2019, uma revisão lenta, gradual e segura das isenções fiscais, de maneira integrada a uma Reforma Tributária. Dos 4,5% do PIB gastos com isenções – e que ano que vem somarão R$ 486 bilhões – deveríamos rever, reduzir e chegar a 2%, com transições, previsibilidade e segurança jurídica.

Como sabemos, a proposta do novo arcabouço fiscal requer uma Reforma Tributária, pois exige mais arrecadação. E isso não quer dizer necessariamente aumento de impostos. O Brasil tem uma oportunidade de cortar gastos: cortar gastos tributários, as chamadas “isenções”. Uma colcha de retalhos sobre qual há pouca métrica ou transparência, e que soma o dobro do rombo no orçamento federal para este ano. Aqui é possível – e é devido – um ajuste fiscal. É um ótimo desafio não apenas para o Executivo Federal, mas também para o Tribunal de Contas da União (TCU), e especialmente para o Congresso.

Pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, liderados por Marta Arretche, revelam que 67% das propostas em matéria tributária, apresentadas na Câmara e no Senado entre 1988 e 2020, tratavam de isenções fiscais. Agora, na tramitação da Reforma Tributária, não só não podemos permitir que essa história se repita como devemos rever todas as isenções concedidas, incluindo o Simples, que é a maior delas. E pensando de maneira integrada, o jeito de se melhorar o Simples – e ajudar o crescimento e evitar sonegação – é, no momento de uma revisão do Simples, reduzir o Imposto de Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica.

 

Um sistema tributário é reflexo dos valores de uma nação. Pois bem, somos confusos, desiguais; desgraçados para muitos e idílicos para poucos. A partir da obrigatória reforma dos impostos sobre consumo – que é o óbvio ululante e em breve terá um relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – precisamos chegar a uma Reforma Tributária integral, revisando também os impostos sobre renda e sobre patrimônio – além, certamente, das isenções fiscais. E comunicando isso desde já. Nosso cipoal tributário é irracional, desestimula a economia, precariza o emprego, e atrapalha o empreendedorismo. Só temos a ganhar.

Uma discussão que deve ser feita de maneira também articulada é sobre como taxar lucros e dividendos. A partir de 1996, o Brasil parou de fazê-lo – o que foi compensado por uma elevada alíquota do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas: 34%. (A média nos países membros da OCDE é 21%).

No entanto, estudos de Rodrigo Orair, Bráulio Borges e Sérgio Gobetti revelam que a taxa média efetiva de IRPJ no Brasil é, de fato, 22% – graças a acrobacias contábeis e jurídicas, que custam uma fortuna às empresas e são parte do “custo Brasil”. E há quem pague ainda menos. A Petrobras, por exemplo, manobrou por anos uma alíquota efetiva de 17%. Logo, para taxar lucros e dividendos – e colocar empresas em pé de igualdade (e oportunidade) – é preciso também baixar o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ). A tendência do mundo é tributar menos as empresas, e mais a renda. É nessa direção que dá certo. Temos muito a fazer para além da reforma sobre os impostos de consumo.

Um bom guia para pensar impostos de maneira integrada, e reorganizar o nosso sistema para melhor, é o livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico”, recentemente lançado pelo Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV, e organizado pelo economista Manoel Pires.

Há momentos decisivos, em que se lêem o caráter de uma nação – e que forjam o seu futuro. Assim será o ano de 2023 no Brasil. Cansados de pagar o pato de um sistema tributário disfuncional, há agora caminho para um pacto por mais crescimento, formalização e menos regressividade. Tudo junto, e juntas. É nós.

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/isencoes-em-xeque.shtml