Por Guilherme Cezar Coelho

Publicado em 29 de setembro 2024 n’O Globo

O sistema tributário brasileiro cobra menos impostos, proporcionalmente, de quem é muito rico. Um estudo de 2014 de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair demonstra a regressividade tributária brasileira a partir do 0,5% mais rico. Além de ser injusto com quase todo mundo, isso cria ineficiências alocativas e atrapalha o crescimento econômico — o maior desafio brasileiro dos últimos 40 anos.

Depois da regulamentação da reforma tributária do consumo, o próximo passo deverá ser a reorganização dos impostos sobre renda e patrimônio. Devem-se priorizar os regimes do Lucro Presumido e do Simples Nacional.

Recente estudo de Gobetti a partir de dados da Receita Federal, tendo como ano-base 2022, revela que 2% de brasileiros com empresas do Simples concentram 20% de todos os dividendos desse regime especial. Dos 2,2 milhões que informaram ter recebido dividendos do Simples, 2% receberam R$ 46 bilhões, subtributados. São os super-ricos do Simples: 38,4 mil contribuintes com renda individual média de R$ 1,5 milhão. Gente que paga muito menos imposto se comparada a outros que recebem os mesmos valores por meio de outros regimes como CLT, Lucro Real ou mesmo Lucro Presumido. Isso se chama “desigualdade horizontal” e atrapalha a economia.

Outra distorção que gera ineficiência, por isso deve ser enfrentada, são os incentivos fiscais. O governo recentemente encaminhou ao Congresso, como informação complementar ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025, a projeção de que nossos gastos tributários somarão R$ 543,7 bilhões, com concessões a empresas e pessoas físicas.

Essas renúncias representam 4,4% do PIB e 19,7% de todos os impostos e contribuições que a Receita Federal espera arrecadar no ano que vem. Dinheiro meu, seu e nosso, grande parte gasto sem transparência ou comprovação de efetividade. Sabemos apenas dos prejuízos, pois, quando se diminui a tributação de alguém, outros necessariamente pagarão mais. Mais uma razão para nosso mau humor com os impostos.

Em 2019, a Receita Federal realizou um estudo em que recomendou a redução do gasto tributário para 2% do PIB, gradualmente cortando R$ 50 bilhões, ano a ano, em 25 dos 60 subsídios analisados. Em tempo: o furo nas contas públicas federais — que desde abril causam uma crise de confiança no governo Lula — é de R$ 67 bilhões. Taí um ajuste fiscal possível.

A boa notícia é que os pesquisadores da FGV Manoel Pires e Paolo de Renzio têm reunido dados sobre renúncias fiscais nos estados e na União. O objetivo é produzir séries históricas longas e identificar os problemas de metodologia, transparência, governança e fiscalização.

Possivelmente será o primeiro trabalho a consolidar essas informações, que serão apresentadas durante o T20, reunião de institutos de pesquisa dentro do G20, em novembro, no Rio de Janeiro. O projeto de Pires e Renzio servirá ao comparativo internacional Global Tax Expenditures Database, uma iniciativa do Council on Economic Policies, instituto baseado em Zurique, em colaboração com o German Institute of Development and Sustainability. E nos dará um mapa da mina — literalmente.

Há oportunidades para maior crescimento econômico por meio de melhores práticas tributárias. O caminho é reduzir a regressividade dos impostos brasileiros e aumentar a eficiência do sistema como um todo, pensando-o de maneira integrada. Assim se faz um futuro melhor — e ninguém fica de bobo.

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https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/09/para-ninguem-pagar-o-pato-dos-impostos.ghtml