Por Guilherme Coelho
Publicado em 18 de maio de 2022 no jornal O Globo
Governos importam. Esta é a lição destes últimos três anos e meio de Bolsonaro. E nos ajuda a lembrar que governos são transitórios, correntes políticas se alternam, mas o Estado permanece — e por isso precisa de contínuas atualizações.
Este ano vamos votar também para cargos legislativos, e nossos futuros parlamentares devem se inspirar a criar condições para uma maior efetividade do Estado brasileiro, reconhecendo sua importância, e motivando seus profissionais.
Um novo Congresso pode dar sequência e ampliar os movimentos que alguns parlamentares começaram nestes últimos anos. Existe muita coisa a ser feita que só depende de discussão e aprofundamento no Parlamento, independentemente de quem venha a ocupar o Executivo Federal. Estas iniciativas irão organizar melhor o setor público, estimular seus profissionais — e nós seremos melhor atendidos. Algumas coisas são pra já.
Pra começar, esta semana, há um possível gol contra quicando no Senado: a PEC 63, que propõe acintosos aumentos salariais ao Ministério Público e ao Judiciário. Não pode, não deve e tem que ser barrada. O consenso democrático é o justamente o contrário: precisamos aprovar no Senado a lei limitadora dos supersalários no funcionalismo. Além de moralizadora, ela reduzirá a desigualdade salarial entre os servidores, que já supera sua equivalente no setor privado, segundo estudo recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
A limitação dos supersalários é o projeto mais importante do ano. Precisamos que seja pautada pelo presidente do Senado, pois já foi aprovada na Câmara. (A sociedade conta com isso, Rodrigo Pacheco!)
Outro consenso é implementar uma gestão por objetivos e resultados-chaves, entendendo avaliação de desempenho não como instrumento para punir ou subjugar o profissional público. Ao contrário, é o melhor caminho para unir, alinhar, engajar, e colocar equipes trabalhando juntas, comunicando-se melhor e dividindo o propósito — e a motivação inerente — de trabalhar pelo bem comum.
É preciso trabalhar por um Estado presente, competente, responsável, responsivo e respeitado. Esta é a melhor defesa contra um governo delinquente. Foi isso o que aconteceu quando o presidente negou a ciência e a importância da vacinação — e agentes do Estado, inspirados no interesse público, lutaram para desenvolvê-la, distribuí-la e aplicá-la. Na Educação, sucessivos ministros agiram contra o interesse comum, enquanto uma multidão de servidores resistiu todos os dias para manter funcionais políticas como o Enem. Em outra área, quando integrantes deste governo assumiram o desmatamento como diretriz, servidores de órgãos de Estado — como Inpe, Ibama e ICMBio, entre outros — enfrentaram o fogo e o risco de violência para defender nosso patrimônio natural. Aplausos e gratidão.
É hora de pensarmos o futuro do Estado brasileiro e superarmos as divisões causadas pela proposta de Reforma Administrativa que o Governo Federal encaminhou no final de 2020. O ótimo trabalho do relator Arthur Maia não resistiu à artimanha de Bolsonaro para beneficiar parte da suposta base eleitoral bolsonarista, ao se tentar aprovar privilégios para setores da Segurança Pública.
Depois da desmoralização do Estado (e de seus servidores) promovida por Bolsonaro, faz-se essencial a valorização do Estado e a transformação do serviço público brasileiro para além de objetivos meramente fiscais — e certamente sem o objetivo de redução da capacidade estatal. O novo Congresso deve assumir esta agenda estruturante, e os parlamentares que se envolverem com ela devem ser celebrados.
Governos passam, o Estado fica. Nos duzentos anos de sua independência, o Estado brasileiro merece sua refundação.
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