Por Guilherme Cezar Coelho
Publicado em 08 de dezembro no O Globo
Artistas e economistas juntinhxs, enfim. A turma das artes visuais está de olho na Reforma Tributária, que terá seu relatório final lido amanhã no Senado, talvez com votação até o final da semana.
No projeto em discussão no Congresso, diversos setores culturais foram beneficiados com um regime especial. Isto é, menos imposto. Como está hoje, artistas visuais estão contemplados com a alíquota inferior na venda direta de suas obras. Mas as galerias de arte não. Um zum-zum-zum surgiu daí, e é bem-vindo.
Sendo aprovada no Congresso e entrando em vigor gradualmente a partir de 2027, a reforma dos impostos de consumo (ISS, ICMS, IPI, Pis/Pasep e Cofins) será o maior avanço político e econômico brasileiro desde o Plano Real, há 30 anos. Nosso país passará a adotar dois impostos de valor agregado (IVA), o que é a prática dos países que dão mais certo, economicamente.
Caminha-se para que galerias sejam incluídas no regime especial, com menos imposto, mas apenas na venda de arte brasileira. Aproveitando um vuco-vuco nas redes das últimas duas semanas, quis-se incluir obras de arte gringas, quando vendidas por galerias brasileiras. Isso não pode. Isenções devem ser bem desenhadas — e limitadas. Se alguém paga menos imposto, alguém tem que pagar mais — assim é a conta.
Se por acaso quisermos apoiar galerias que representem artistas iniciantes, o melhor instrumento não é via tributação, mas sim através de fomento público direto — como se faz com o cinema, por exemplo. É preciso conter a boiada das isenções, pois, se não, todo mundo paga o pato, com mais impostos.
Já vimos esse filme. Por um erro do governo, inclui-se o consumo de carnes entre os itens que pagarão menos imposto. Isso beneficiará mais os ricos do que os pobres — e de quebra aumentará em 0,6% o imposto sobre outros itens não beneficiados. Para todo mundo.
Outro exemplo são os itens da cesta básica, que acabaram todos isentos. A melhor maneira econômica de se fazer justiça tributária não é dando isenção, mas sim redistribuindo renda após impostos. É melhor focar em quem realmente merece pagar menos — por exemplo, gente com menos grana comprando itens da cesta básica — e devolver o dinheiro para este grupo, com o tal cashback.
A partir da apresentação do relatório da regulamentação da Reforma Tributária do Consumo pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) devemos nos unir e pressionar por sua imediata votação no Senado, seu retorno à Câmara e votação, e sua sanção presidencial. É uma obra monumental, de todxs.
A aprovação da Reforma no ano passado foi fundamental para a melhora da nota de crédito do Brasil este ano, após boa investida do governo brasileiro em reuniões nos EUA. Agora, para a Reforma poder valer, falta sua regulamentação. Não podemos dar para trás.
Nosso país está numa corda bamba fiscal, vivendo desde abril uma crise de confiança na capacidade dos governos em equilibrar suas contas. Isso é importante porque essa desconfiança gera mais inflação — com alta do dólar sendo umas de suas causas. Mais inflação quer dizer empobrecimento geral, aumento de desigualdade e sofrimento. A economia importa para a vida. E muito.
Já que as denúncias e os julgamentos pelos atos golpistas (e planos de assassinatos) ficaram para o ano que vem, neste final de ano não há luta mais consequente do que a regulamentação da Reforma Tributária.
Poderemos, depois disso, entrar numa discussão sobre uma verdadeira reforma dos impostos de renda e patrimônio, junto com cortes nos gastos tributários brasileiros, passando um pente fino nas isenções fiscais para empresas, muitas delas espúrias, sem transparência ou impacto positivo na economia.
Tributar tem toda uma arte — e dá esquadro a um país. Por isso, é fundamental participarmos do debate. No Brasil, temos o dever de reduzir desigualdades de renda, fazendo o nosso sistema tributário ser menos regressivo, onde os muito muito ricos (acima de 1% mais ricos da população) pagam muito menos impostos que os outros. Isso é sim um tema para a cultura, pois a desigualdade de renda é o maior problema brasileiro desde o fim da escravização.
É preciso estar atento e forte, mais do que nunca. Com o Xou da Xuxa que virou a política dos EUA, com Trump de volta à Casa Branca e Elon Musk reorganizando o governo, dias piores virão para quem trabalha por mais igualdade, progresso e conhecimento. Todo um novo mundo, “um mundo mais louco, até mais que eu” — e você.
Com “febre e amor”, artistas hão de “colar os caquinhos do velho mundo” — como nos lembrou Marina (e Cicero, e Adriana) no Circo Voador, dias atrás. Colar e inventar um novo caminho. Para isso a arte, e melhores impostos.
Acesse o artigo original:
https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/noticia/2024/12/08/artigo-arte-tributaria.ghtml